Jeffrey Cross
Jeffrey Cross

Trecho do livro: FabLab - de máquinas, fabricantes e inventores

O trecho a seguir é extraído do ensaio de Paulo Blikstein, "Fabricação Digital e 'Making' em Educação: A Democratização da Invenção". O ensaio vem do recém-publicado FabLab: Of Machines, Makers, and Inventors editado por Julia Walter-Herrmann e Corine Büching. O projeto de Blikstein diz respeito ao papel dos fablabs no futuro da educação em engenharia. É uma das quatro “vinhetas” das experiências de Blikstein na realização de oficinas de fabricação digital com alunos do ensino médio em todo o mundo.

A "síndrome de chaveiro" ou as tentações da trivialização

Para as primeiras oficinas de fabricação digital que realizamos em 2009, desenvolvi atividades introdutórias para familiarizar os alunos com as máquinas: projetos curtos semi-estruturados, como criar chaveiros, um crachá ou uma placa de acrílico para uma equipe esportiva. Em nível técnico, esses projetos exigiam que os alunos aprendessem a cortar e gravar usando o cortador a laser, usassem um software de desenho vetorial para criar e combinar formas geométricas e importar / manipular imagens de bitmap da web. Presumi que, ao pedir-lhes para criar objetos altamente pessoais, como chaveiros e crachás, os alunos ficariam animados com as tecnologias não apenas porque criariam objetos para o uso diário, mas também decorariam seus quartos, materiais escolares e roupas. atrai a atenção de familiares e outros estudantes da escola. Eles se sentiriam orgulhosos de suas criações e associariam suas habilidades de engenharia recém-adquiridas à produção de artefatos socialmente valorizados.

Estudantes empenhados com entusiasmo na criação de suas chaves. O plano funcionou. Para a segunda sessão, eles voltaram ainda mais animados com seus objetos - pais, amigos e até professores queriam um chaveiro de acrílico. Alunos alinhados pelo cortador a laser para fazer mais chaveiros. A excitação estava no ar. A fabricação digital foi bem-sucedida e os alunos - meninas e meninos - ficaram muito empolgados com "fazer coisas".

Paulo Blikstein.

Na terceira sessão, minha equipe decidiu que era hora de passar para novas atividades - em particular, eu queria introduzir robótica e eletrônica. Eu reuni os alunos no início da sessão e fiz um pequeno tutorial de robótica, ensinando-os a ligar sensores e motores, e escrever programas simples. No final do workshop, alguns alunos vieram falar comigo e pediram permissão para usar o cortador a laser para alguns novos chaveiros. Adiei a robótica para outro dia. Na quarta sessão, eu sabia que algo estava errado. O workshop tornou-se uma fábrica de chaveiros e os estudantes não se envolveriam em mais nada. O plano funcionou bem demais - voltou a funcionar. Os alunos descobriram uma atividade que era pessoalmente significativa, produziam produtos de aparência profissional que eram admirados e invejados e usavam um dispositivo de alta tecnologia. No entanto, por mais que fosse uma solução muito eficaz para engajá-los na fabricação digital, oferecia uma recompensa muito grande para um esforço relativamente pequeno, para produzir um objeto que não incluísse nenhum cálculo ou desafios construtivos complexos. Ironicamente, é como se os estudantes tivessem descoberto exatamente o que é fabricação - produzir em massa com pouco esforço - e estavam fazendo o melhor possível. Os estudantes "racharam" a fabricação digital e estavam usando o laboratório como uma instalação de fabricação, em vez de um local para invenção.

O diálogo a seguir, que aconteceu vários dias depois do workshop, ilustra as seduções da "síndrome keychain":

Facilitador: O que você faria se tivesse um cortador a laser em casa?

Megan: Eu faria chaveiros.

Nancy: Sim, e vende-os.

Facilitador: Chaveiros? Que tipo?

Megan: Tipo, essas (ela pega uma coleção de chaveiros que ela havia imprimido recentemente).

Facilitador: Mais alguma coisa?

Megan: Não, apenas chaveiros.

Mas havia uma questão mais sistêmica em jogo - os amigos e a família estavam se concentrando nos únicos valores que eles conhecem, não coincidentemente valores nos quais as escolas tradicionalmente se concentravam: valorizando o produto ao invés do processo. Nesse sentido, a fabricação digital é um tipo de cavalo de Tróia: ela introduz nas escolas um "gênero" de ferramentas que tem a propriedade muito especial de gerar facilmente produtos esteticamente agradáveis, quase mágicos. Portanto, para o estudante-criador, há um incentivo conflitante: (i) ofuscar a simplicidade do processo (“eu usei essa máquina de corte a laser, é ficção científica, é realmente complicado”), e aumentar o valor do produto para outras, ou (ii) tornar o processo transparente (“eu usei o cortador a laser, na verdade não é tão difícil fazer chaveiros, a máquina fez a maior parte do trabalho!”), e revela a trivialidade do produto.

Para o projetista e facilitador educacional, é fundamental entender esse sistema de incentivo para evitar esse aspecto potencialmente prejudicial desse "gênero" de máquinas. O ciclo de feedback que o primeiro incentivo (ofuscando a simplicidade da produção) gera é que os alunos se envolvam na produção do mesmo tipo de produtos simples. No caso do segundo incentivo, os alunos são levados a "não trivializar" o produto, dado o novo nível de complexidade do produto que a fabricação digital permite que eles atinjam. No primeiro caso, apesar das aparências, "educamos" e banalizamos o laboratório, no segundo, fazemos dele um lugar de excelência e investigação. A solução, no entanto, não é inconsequente - enquanto o enigma do processo de produção de produto não se resolve, haverá sempre um incentivo para produtos simples e bem polidos, em oposição a projetos confusos, complexos e potencialmente "feios". A menos que os designers educacionais revelem os verdadeiros sistemas de incentivo em sala de aula, os professores que recompensam os alunos com base em tempos de conclusão rápidos, qualidade de solução e eficiência podem estar promovendo salas de aula nas quais os alunos raramente se aventuram fora do que já conhecem.

A "síndrome keychain", portanto, revelou dois dos elementos cruciais dos ambientes de aprendizagem baseados na fabricação digital. Primeiro, o equipamento é capaz de gerar facilmente objetos e produtos esteticamente atraentes. Em segundo lugar, isso gera um sistema de incentivo no qual há um retorno desproporcional ao ficar em um "mínimo local", onde os projetos são muito simples, mas ao mesmo tempo muito admirados por observadores externos. Se contentar com projetos simples é uma tentação que os educadores devem evitar a qualquer custo. A não-trivialidade de navegar nesses novos sistemas de incentivo foi uma das importantes lições aprendidas nesses primeiros workshops.

Ação

Deixar Um Comentário